terça-feira, 24 de outubro de 2017

Resenha | O Escravo de Capela, Marcos DeBrito

Título: O Escravo de Capela
Editora: Faro Editorial
Páginas: 288
Gênero: Ficção Brasileira
Onde Comprar: Saraiva | Amazon
Adicione: Skoob
Sinopse: {Durante a cruel época escravocrata do Brasil Colônia, histórias aterrorizantes baseadas em crenças africanas e portuguesas deram origem a algumas das lendas mais populares de nosso folclore.Com o passar dos séculos, o horror de mitos assustadores foi sendo substituído por versões mais brandas. Em “O Escravo de Capela”, uma de nossas fábulas foi recriada desde a origem. Partindo de registros históricos para reconstruir sua mitologia de forma adulta, o autor criou uma narrativa tenebrosa de vingança com elementos mais reais e perversos. Aqui, o capuz avermelhado, sua marca mais conhecida, é deixado de lado para que o rosto de um escravo-cadáver seja encoberto pelo sudário ensanguentado de sua morte. Uma obra para reencontrar o medo perdido da lenda original e ver ressurgir um mito nacional de forma mais assustadora, em uma trama mórbida repleta de surpresas e reviravoltas.}





O Escravo de Capela é uma obra nacional onde temos abordagens folclóricas e fatos históricos de nosso país e com uma narrativa que exige bastante psicológico do leitores.

Das obras de Marcos Debrito, esta foi a primeira que tive contato e tal contato me proporcionou uma grande curiosidade para conhecer as demais. Me tornei fã da escrita do autor e da forma que conseguiu transparecer tamanho sofrimento. Foi como se estivesse presenciado cada fato narrado, devido as minuciosas descrições que foram essenciais para o meu encanto pela obra.

Não estava nada preparada para tamanha crueldade que estava por vir em O Escravo de Capela e ter que me deparar com toda tortura e sofrimento que os escravos passaram durante tempos foi algo totalmente inaudito na minha bagagem literária e posso dizer com convicção que, obviamente, foi um choque de realidade além de ter aberto novos horizontes de gêneros.

"Tendo as costas do escravo como tela, o feitor pincelava de vermelho o seu escárnio. Naquela aquarela abstrata de sangue e suor, a dor encontrava bem o seu entorno.".
O enredo nos traz à uma época onde o Brasil era comandado por senhores de engenho, que se mantinham e enriqueciam através do trabalho escravo. 

A colheita e moagem da cana era a realidade dos escravos da Fazenda Capela, comandada com rédea curta por Antônio Batista Segundo, o primogênito de Antônio Batista. 

Sabola, um recém chegado à fazenda, não entende o dialeto usado na Fazenda Capela e logo de cara já comete um erro grave durante o trabalho daquele dia.

 "A privação de uso do próprio nome é castigo dos mais perturbadores, mesmo quando já se está acostumado a ser chamado por outro.". 

Os árduos trabalhadores da fazenda já estavam mais do que acostumados que se não andassem na linha, o castigo seria pago na própria pele. Aquele primeiro dia de Sabola e sua primeira lição despertou um ódio sem igual. Agora, mais do que nunca, ele precisava sair dali. 

Contando com a ajuda de um dos mais antigos escravos, Akili, Sabola deixa transparecer sua vontade de fugir daquele lugar desumano e se vingar a qualquer custo. Mas qualquer atitude suspeita seria arriscada. A Fazenda Capela era vigiada 24h e nunca um conseguiu escapar com vida.

Talvez Sabola também não conseguiria...
"As pás foram movidas e o defunto desmembrado começou a ser enterrado sem sequer terem lhe retirado o saco encharcado de sangue da cabeça. Apenas a boca escancarada, que insistentemente buscara o ar nos seus últimos suspiros, estava descoberta e não foi poupada de ser alimentada com a terra que o encobria.". 


Com um ato cruel e uma sede desumana por lição, Antônio Segundo, tira a vida daquele recém chegado a sangue frio.Ele acreditava que ninguém mais se atreveria a tal atitude impensada. A perna dilacerada de Sabola foi um troféu e, ainda, um aviso aos outros.

O que ele não contava era com a volta dos mortos para vingar da vida retirada brutalmente de um inocente. A sede de vingança foi maior do que qualquer catecismo e conversão tentada pelo padre da Fazenda Capela.
 "O defunto do escravo estava de pé sob a ombreira e, como a mula, também ostentava um físico mais agressivo. Antes baixo e malnutrido, o negro agora era corpulento e ameaçador, como uma criatura que acabara de abandonar os tormentos do inferno. Mas era no rosto que o terror despachava sua epístola. Mesmo coberto com o pano encarnado pelo próprio sangue que vertera até a morte, a boca estava livre para expor os afiados dentes amarelados. E entre os buracos da trama de algodão, podia-se notar a intenção de carnificina nos olhos opacos cavados no interior do crânio.". 
O Escravo de Capela é aterrorizante e eu jamais havia me deparado com algo tão surreal e ao mesmo tempo convicto de sua existência. Nesta obra somos espectadores de um cenário torturante e agonizante e, parafraseando um outro grande ícone da literatura brasileira, cada página é um golpe cruel de chicote que sangra muito.Na realidade me faltam palavras para conseguir descrever este sensacional enredo que tira o fôlego do leitor do começo ao fim.

Mesmo as vezes sendo torturante conseguir ler e digerir tamanhas atrocidades, não consegui me desgrudar do Escravo de Capela até descobrir até que ponto a vingança pode chegar.

O ápice do livro nos é relatado histórias do folclore brasileiro, o que, na minha opinião, concedeu à esta estupenda obra, todo o ar de veracidade tentado por uma ficção.
"Os escravos sabiam que eram poucos os homens que sobreviviam a uma noite pendurados de cabeça para baixo com os punhos atados e o corpo anavalhado cheio de sal para lhes arder as feridas. Ainda eram deixados inteiramente nus, cobertos por mel para que os insetos noturnos os picassem. Os requintes de sadismo eram infinitos.". 
A Faro Editorial novamente realizou um trabalho gráfico digno de 5 estrelas. Cada detalhe nos proporcionava uma sensação sombria que faziam os pés gelarem e o estômago revirar.

Agradeço infinitamente ao Autor por ter tido a genialidade de uma obra como esta. Indico totalmente a leitura, mas logo aviso, terão os psicológicos altamente abalados pelo Escravo de Capela. 



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